Levou tempo até que Günther Anders conseguisse escrever sobre a era nuclear, tamanho o choque que sofreu ao ouvir, pelo rádio, a notícia do bombardeio de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945. “Apenas no início dos anos 1950 consegui dar o primeiro passo, inseguro”, escreve. “Mas aquilo que consegui produzir não passou de uma confissão de minha incapacidade; não, da nossa incapacidade de ao menos imaginar aquilo que ‘nós’ fizemos ou produzimos.” Com aquela destruição incandescente, a humanidade demonstrava ter adquirido definitivamente o poder de aniquilar a si mesma. Esse feito inédito fundou, segundo o autor, uma nova época: o “tempo do fim”. Os três livros de Hiroshima está em toda parte — um diário, uma correspondência e um discurso — abordam o advento do autoextermínio e a responsabilidade de cada ser humano pelos acontecimentos monstruosos que marcaram o século xx. Nesse sentido, a “liberdade” que os Estados Unidos buscaram garantir ao lançar as bombas que trucidaram centenas de milhares de japoneses em três dias não passa de uma falácia. “Porque só somos realmente livres quando participamos das decisões sobre o que produzir e sobre o que será do mundo; quando percebemos que também nosso trabalho é um ‘fazer’ e que nossa produção é um ‘colocar em ação’; quando assumimos responsabilidade pelo que criamos.” Oitenta anos depois da explosão que mudou o mundo para sempre, e num momento que a tecnologia adentra cada poro de nossa vida, as ideias de Günther Anders continuam essenciais. Talvez mais do que nunca.
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O mais enfático testemunho filosófico contra o armamento nuclear, Hiroshima está em toda parte é um compilado de três textos escritos por Günther Anders entre 1958 e 1964, todos centrados na monstruosidade destrutiva das bombas atômicas que, sob o verniz do combate ao totalitarismo e defesa da liberdade, ceifaram centenas de milhares de vidas no século XX.
Na primeira parte, O homem sobre a ponte: diário de Hiroshima e Nagasaki, acompanhamos a chegada de Anders ao 4º Congresso Internacional contra as Bombas Atômicas e de Hidrogênio, em Tóquio, quando ele e outros ativistas se reúnem para alertar o perigo irrevogável da tecnologia atômica e redigir um código moral sobre a situação nuclear. A viagem prossegue com a visita às cidades japonesas treze anos depois dos bombardeios, num texto ao mesmo tempo intimista e filosófico, que expõe diálogos com outros viajantes, reflexões pessoais e o desespero de viver num mundo assombrado pela a